Em recente decisão (Recurso em Habeas Corpus n.º 97876-SP, julgado em 05/06/2018), o STJ, para coagir o devedor ao pagamento de dívida, admitiu a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação. E isso baseado no artigo 139, IV, do Novo Código de Processo Civil, que admite ao juiz medidas coercitivas para o cumprimento de obrigações de caráter pecuniário.
Para o STJ, em especial a Quarta Turma, foi desproporcional a suspensão do passaporte de um devedor, determinada nos autos de execução de título extrajudicial como forma de coagi-lo ao pagamento de uma dívida. Por unanimidade, o colegiado deu parcial provimento ao recurso em habeas corpus para desconstituir a medida.
A Quarta Turma entendeu que a suspensão do passaporte, no caso, violou o direito constitucional de ir e vir e o princípio da legalidade.
O recurso foi apresentado ao STJ em razão de decisão da 3ª Vara Cível da Comarca de Sumaré - SP que, nos autos da execução de título extrajudicial proposta por uma instituição de ensino, deferiu os pedidos de suspensão do passaporte e da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) do executado – até a liquidação da dívida no valor de R$ 16.859,10.
Segundo o relator, o ministro Luis Felipe Salomão, a retenção do passaporte é medida possível, mas deve ser fundamentada e analisada caso a caso. O ministro afirmou que, no caso julgado, a coação à liberdade de locomoção foi caracterizada pela decisão judicial de apreensão do passaporte como forma de coerção para pagamento de dívida.
Para Salomão, as circunstâncias fáticas do caso mostraram que faltou proporcionalidade e razoabilidade entre o direito submetido (liberdade de locomoção) e aquele que se pretendia favorecer (adimplemento de dívida civil).
Entendeu o ministro que a medida de apreensão do passaporte é coercitiva ilegal e arbitrária, porque restringe o direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável.
O Ministro relator, Luís Felipe Salomão, afirmou ser necessária a fixação, por parte do STJ, de diretrizes a respeito da interpretação do artigo 139, IV, do Código de Processo Civil de 2015.
De acordo com o ministro, o fato de o legislador ter disposto no CPC que o juiz pode determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias, “não pode significar franquia à determinação de medidas capazes de alcançar a liberdade pessoal do devedor, de forma desarrazoada, considerado o sistema jurídico em sua
totalidade”.
totalidade”.
“Ainda que a sistemática do código de 2015 tenha admitido a imposição de medidas coercitivas atípicas, não se pode perder de vista que a base estrutural do ordenamento jurídico é a Constituição Federal, que resguarda de maneira absoluta o direito de ir e vir, em seu artigo 5º, XV”, frisou o relator.
Em relação à suspensão da Carteira Nacional de Habilitação do devedor, o ministro disse que a jurisprudência do STJ já se posicionou no sentido de que referida medida não ocasiona ofensa ao direito de ir e vir. Para ele, neste ponto, o recurso não deve nem ser conhecido, já que o habeas corpus existe para proteger o direito de locomoção.
“Inquestionavelmente, com a decretação da medida, segue o detentor da habilitação com capacidade de ir e vir, para todo e qualquer lugar, desde que não o faça como condutor do veículo”, afirmou Salomão.
O ministro admitiu que a retenção da CNH poderia causar problemas graves para quem usasse o documento profissionalmente, mas disse que, nesses casos, a possibilidade de impugnação da decisão seria certa, porém por outra via diversa do habeas corpus, “porque sua razão não será a coação ilegal ou arbitrária ao direito de locomoção”.
Destacou-se ainda que o reconhecimento da ilegalidade da medida consistente na suspensão do passaporte do paciente, na hipótese em análise, não significa afirmar a impossibilidade dessa providência coercitiva em outros casos, desde que obedecido o contraditório e fundamentada e adequada a decisão, verificada também a proporcionalidade da providência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário