quarta-feira, 24 de setembro de 2008

COTONHO, O "BIG" AMIGO DE TODOS


(*) Dr. João Marcos Alencar Barros Costa Monteiro




Enfim, chegou a hora... que momento difícil. Para nós inconcebível, já que éramos quase que diariamente acolhidos pelo seu sorriso largo e amigo, pelo seu abraço e ósculo fraternos. Parece que quase toda a alegria de Guaxupé se foi, esvaindo-se em lamento, despedida e saudade... criou-se uma lacuna em nossas vidas, principalmente em todos os finais de tarde, quando, pelo menos, por dez minutos, tínhamos que fazer uma parada obrigatória no terraço do hotel para uma boa prosa, onde, por muitas vezes, trocávamos confidências da própria vida, numa conversa franca. O mundo parecia sorrir, em meio a tantas tribulações do cotidiano, através da alegria que o "big" Cotonho transmitia a todos. Sim, a todos, sem exceção! Eram crianças, jovens, homens, mulheres, idosos, sejam eles ricos ou pobres, sem distinção ou preconceito. Com sua humildade e singeleza de coração, acenava a todos da porta do hotel, muitas vezes brincando, arrancando-nos, talvez, os nossos primeiros risos do dia. Foi-se daqui um verdadeiro cristão!
Com o seu olhar atento, observava da porta do hotel o movimento da cidade. Conhecia, certamente, melhor do que ninguém como nossa Guaxupé é acolhedora. Afinal, representou verdadeiramente o calor das amizades, das paixões, do companheirismo, da auto-estima e da valorização da vida. Nunca fui recebido pelo "primo" com tristeza, sempre com aquela alegria única, dizendo: "Ô, Meu querido! Senta aqui, vamos conversar! Como você está, primo?"... Parece que ainda ouço a sua voz... Sem sombra de dúvida, sabia tratar os seus hóspedes com respeito, certos de que poderiam retornar à Guaxupé e serem bem acolhidos. Marcão tinha o dom de apaziguar tão bem a vida, mantendo tudo em serena compreensão... com o seu amor incondicional ao próximo, ensinou-nos que não precisamos estar diariamente dentro de uma Igreja para sermos verdadeiramente cristãos. E se olharmos o sentido literal da palavra cristão, vamos ver que o seu significado é "pequenos cristos". Sendo assim, posso dizer que Marcão foi e sempre será o "Big pequeno cristo", pois seguiu rigorosamente os mandamentos do Senhor Jesus, mesmo sem estar dentro de um templo. Sabia, pois, que o verdadeiro templo somos nós mesmos, através da porta do nosso coração, que deveria abrigar sentimentos bons, como o amor que sentia pelos amigos, pelos conhecidos e desconhecidos também. O seu sorriso não deixava que o seu sentimento maior ficasse escondido.
Mas preciso secar as minhas lágrimas, não combina com Cotonho o choro, a tristeza, mas sim a imensa alegria de grandes carnavais. Por falar em carnaval, como relembro do "Bloco Arrazzo". Ali não estava simplesmente um grupo carnavalesco que se encontrava apenas em quatro dias do ano, estavam os verdadeiros amigos de uma vida inteira e o Cotonho foi, sem dúvida nenhuma, a alma desse relacionamento tão nobre. Com muito orgulho, posso dizer que assisti a toda essa trajetória, com muita admiração. Aprendi muito com o Marcão e hoje parece que um pedaço de mim, ou melhor, de todos nós, que o amávamos se foi junto com ele.
A história de Cotonho deve ensinar-nos importantes lições de vida. Podemos até chorar e nos angustiar pelas nossas dificuldades e conflitos, mas nunca devemos desistir de acreditar em nós mesmos. Devemos sempre nos amar primeiro para amarmos o próximo, sem esperar nada em troca... Aliás, para ele não existia ninguém feio ou incapaz. Sempre exaltava as nossas qualidades com seus elogios, valorizando-nos, talvez pela sua sabedoria que consistia em enxergar aquilo que as imagens não revelavam, como por exemplo, uma boa colheita na próxima safra diante de uma geada devastadora. Marcão, com certeza, era dos poucos que conseguia ver o que ninguém via – as qualidades do ser humano. Era como se visse à sua frente pedras e areia, mas quando erguia os olhos, avistava campos prontos para semear e fecundar a terra... E, hoje, nos braços do Pai Celestial, conquista o seu lindo jardim de flores e cada uma delas, certamente, representa o amor por cada uma das pessoas que por aqui deixou... Desculpem-me, mas não consigo mais escrever!...
Vá em paz, primo e um grande beijo!

O autor é advogado

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

A evolução do Direito do Consumidor em 18 anos

(*) Dr. João Marcos Alencar Barros Costa Monteiro

A defesa do consumidor no país surgiu com abertura democrática, após o grande período de ditadura militar, quando da promulgação da Constituição Federal de 1988. A Carta Magna, em seu artigo 5º, inciso XXXII, já previa a defesa dos direitos do consumidor. Sendo assim, no dia 11 de setembro de 1990, o Código de Defesa do Consumidor foi sancionado, normatizando o princípio constitucional já existente, para satisfazer as exigências de uma sociedade moderna, capitalista, de consumo, em relação à tutela daqueles considerados economicamente fracos aos que detém os mecanismos de produção, no caso os fornecedores. A Lei 8.078/90, baseada em pesquisas de diversos cientistas, filósofos e juristas, foi criada, portanto, para solucionar questões que envolvem relações de consumo, visando, ainda, atingir a proteção contratual dos consumidores por estarem em posição de vulnerabilidade na relação jurídica perante o outro contratante. Certamente, se o Código fosse para ser promulgado nos dias de hoje, não passaria apenas de um projeto e isso não sairia do papel, por ser uma lei eficiente, que incomoda inclusive as instituições financeiras, resguardando, veementemente, os direitos dos mais fracos.
Efetivamente, com o advento da lei consumerista, houve uma redução da lacuna existente entre consumidores e fornecedores, dotando os primeiros de poderoso instrumento de cidadania. O consumidor passou a ter maior conhecimento dos seus direitos e o fornecedor de suas responsabilidades. O consumidor tornou-se, portanto, muito mais exigente. Os órgãos governamentais, a exemplo dos PROCONs, existem para zelar pelos interesses dos consumidores e as reclamações, as denúncias e as ações judiciais contra fornecedores aumentam a cada dia. Elevou-se, com isso, a intervenção estatal com o intuito de minimizar a exploração e os abusos cometidos pelos fornecedores de bens e serviços. A indenização por danos morais, apesar de não ter caráter punitivo, educativo e preventivo, virou febre nos tribunais de todo o país, alimentada pelos maus fornecedores de produtos ou pelos péssimos prestadores de serviços. As demandas judiciais tiveram e tendem a ser cada vez mais rápidas e as soluções mais justas, pelo menos, é o que se espera.
Antes da vigência da lei em destaque, o consumidor não tinha meios de se defender em relação ao defeito do produto ou serviço. O Código veio estabelecer, portanto, a revisão de cláusula contratual, no caso, por exemplo, da compra de um imóvel em que, por razões que fogem ao controle ou previsão, a prestação se torna excessivamente onerosa para o consumidor. Outra inovação foi a previsão legal contra a publicidade enganosa, aquela que induz em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. Em suma, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor Brasileiro foi sancionado, como uma das leis mais rígidas e eficientes do mundo, como já manifestou o parlamento francês, ao receber a visita do Deputado Federal Celso Russomanno, sendo criada principalmente com o objetivo de reequilibrar a relação de consumo, seja reforçando, quando possível, a posição do consumidor, seja proibindo ou limitando certas práticas de mercado.
Apesar da mídia, o Direito do Consumidor ainda é muito pouco conhecido e, muitos dos que se dizem especialistas, na verdade, pouco ou quase nada sabem da matéria, pela falta de estudos e cursos especializados. E vale acrescentar que tal direito deveria ser ministrado como disciplina do ensino médio.
Por fim, o avanço nestes 18 anos de aniversário, apesar de ser bastante expressivo, está longe de ser o ideal. Há muito o que se fazer, principalmente na busca incessante de transformar a mentalidade do cidadão, que ainda se omite em buscar informações sobre os seus reais direitos. Assim, na qualidade de profissionais do direito, devemos buscar o aprimoramento, tendo em vista as tendências da globalização, onde o comércio eletrônico tornou-se a vedete das relações entre fornecedores e consumidores. Além disso, devemos ter consciência de que todos nós somos consumidores, seja crianças ou idosos; até na hora da morte estamos consumindo, seja uma vela ou uma flor, em homenagem ao morto, que desce à sepultura. E por falar em morte, não devemos nunca fazer o nosso direito perecer por falta de exercício da cidadania.
O autor é advogado e
Coordenador do Procon Municipal de Guaxupé

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Prontos para a próxima viagem


(*) Dr. João Marcos Alencar Barros Costa Monteiro


O sino da catedral despertou-me do sono. Logo, quando saí, percebi muitas pessoas apreensivas, a caminho da estação. Quando cheguei à plataforma, já avistei o trem pronto para a partida, mas algo me chamou a atenção. Um homem estava sentado num banco, bem calmo, porém com as mãos na cabeça, demonstrando dúvida. Não contive a minha inquietação e fui até ele, estendendo-lhe a mão.
- Ei, amigo, precisamos partir!
- Eu sei.
- Escute o apito do trem!... Chegou a hora.
- Mas não posso partir.
- Por quê?
- Ainda não comprei o meu bilhete. Estou indeciso!
- Vai perder o trem!
- Não sei em qual vagão vou viajar.
- É necessário escolher. Há três tipos de locomotiva e, dependendo do vagão, o seu destino poderá ser outro - expliquei.
- É exatamente por isso que estou indeciso. Tenho muito receio do que possa acontecer nesta viagem de quatro anos.
- Não tenha medo! Olhe o nome da estação!
- Estação Mogiana. E daí?
- Não!... Estamos na Estação Esperança.
- Mas aonde está o maquinista?
- Está esperando a sua decisão, a sua escolha!
- Por favor, preciso de sua ajuda! - suplicou o homem. - Não posso perder o trem.
- Como posso ajudá-lo?
- Diga em qual vagão devo ir.
- Não posso dizer, pois a escolha é sua.
- Ah!... Sabe de uma coisa, meu camarada, nas minhas últimas viagens fui muito bem servido, percorrendo lugares tão abençoados, mas muitos passageiros não quiseram enxergar. A grande locomotiva foi totalmente reformada, estruturada, dirigida por duas vezes pelo mesmo maquinista e depois pelo seu ajudante, pronta para receber o novo condutor e isso, talvez por ingratidão, as pessoas não queiram enxergar. Eu sei que tenho que escolher o novo maquinista e o vagão que devo partir, obedecendo ao meu livre arbítrio, mas não concordo com os defeitos que estão dizendo por aí... Não é fácil reformar, dirigir e conservar uma locomotiva, com seus vagões, no trilho do desenvolvimento.
- É, amigo, eu sei, mas somos obrigados a escolher o novo maquinista.
- Como escolher?
Naquele instante não me contive novamente, fitei os olhos dele e disse, com sinceridade:
- É muito fácil! Seja como o próprio maquinista e escolha o vagão certo, aquele que será guiado, com zelo, experiência, por um caminho de sucesso e desenvolvimento.
- Você tem razão, camarada. Se não for assim, a nossa viagem pode acabar em tragédia, descarrilando o trem.
O homem sorriu, levantou-se do banco e foi até o guichê. Um minuto depois, já com o bilhete na mão, acenou para mim, entrando no vagão. Ao se acomodar na poltrona escolhida, suspirou, sentindo-se totalmente realizado.

O autor é advogado

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

A liberdade de escolha do consumidor

(*) Dr. João Marcos Alencar Barros Costa Monteiro

Neste ano, o Código de Defesa do Consumidor está completando 18 (dezoito) anos de existência. E, ao longo desse período, podemos verificar, sem sombra de dúvida, que o cidadão brasileiro, na qualidade de consumidor, conquistou vários direitos, cada vez mais respeitados pelos fornecedores, em especial, pelos comerciantes. O primordial direito alcançado foi o da informação adequada e clara sobre o bem que se pretende consumir, ampliando, com isso, a transparência nas relações de consumo, possibilitando ao consumidor exercer seu direito de escolha em relação ao que lhe é oferecido.
Com toda a certeza, o poder de escolha do consumidor tornou-se capaz de influenciar o mercado de bens e serviços, na medida em que as suas aquisições definem o sucesso ou o fracasso do fornecedor. Sendo assim, quem manda no comércio é o consumidor, que passa a ser o protagonista do desenvolvimento econômico de uma sociedade.
Portanto, o consumidor de hoje, após a vigência da Lei 8.078/90, escolhe com consciência e inteligência um determinado produto, ponderando todo o seu processo produtivo, examinando a qualidade, o preço e até mesmo a maneira em que tal bem é comercializado. Há, portanto, menos cidadãos adquirindo produtos "piratas", furtados ou roubados, deixando de alimentar, com toda a certeza, a indústria do crime. E isto porque a escolha por um produto, advindo de um ato de violência, incentiva a continuidade do aumento da criminalidade. E a sociedade, definitivamente, não deseja mais ser refém do crime.
No entanto, para que o consumidor possa efetivamente exercer o seu direito à liberdade de escolha, é necessário ser ainda mais bem informado, através de anúncios publicitários claros e corretos sobre o produto ou o serviço oferecido no mercado. E tal oferta, conforme o artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor, deve integrar o contrato a ser firmado no futuro, implicando em lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor, em total obediência ao princípio da boa-fé objetiva. O que é boa-fé objetiva? É aquela que exige do fornecedor de produtos ou serviços uma atuação ética, visando sempre o bem do consumidor, sem qualquer tipo de abuso, obstrução, que cause lesão ou desvantagem excessiva, cooperando, assim, para atingir o real cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses de ambas as partes.
Uma empresa de ônibus, por exemplo, ao vender um bilhete de passagem, deve informar adequadamente aos passageiros sobre seus direitos à assistência, tais como: o reembolso dos valores pagos de forma imediata e integral, caso a viagem seja cancelada por algum motivo; o endosso para viajar em outra companhia; indenização, caso a bagagem seja extraviada; o recebimento pelo valor do seguro, caso ocorra acidente com danos pessoais ou materiais, já que o prêmio do seguro já está embutido no valor do bilhete, sem prejuízo de eventuais perdas e danos.
Concluindo, o Estado, através de políticas públicas deveria implantar na rede de ensino, a obrigatória educação para o consumo, a fim de que o consumidor, desde o primário até a universidade, conheça os seus direitos. A própria a ONU – Organização das Nações Unidas, no item 32 da Resolução n.º 39/248, de 10 de abril de 1985, diz que:
"a educação do consumidor deve, quando apropriada, fazer parte integrante do currículo básico do sistema educacional, e de preferência inserido em matéria já existente".
Com dedicação e vontade política, construiremos uma sociedade mais justa, ética e igualitária, onde todos ganharão. Sim, todos! Pois somos consumidores, sem exceção, já que desde a criança, que consome uma bala, até o idoso, que necessita de um bom plano de saúde, utilizamos o Código de Defesa do Consumidor, como uma lei protecionista.
O autor é advogado