segunda-feira, 28 de abril de 2008

O "Reality Show" do crime

(*) Dr. João Marcos Alencar Barros Costa Monteiro

A morte abrupta de Isabella Nardoni traduz um possível crime de homicídio doloso que abalou a opinião pública. Morta aos 06 anos de idade incompletos, Isabella fez com que convivêssemos, diariamente, há menos de um mês, com os noticiários da mídia, relatando o dia a dia da família Nardoni. Como principais suspeitos pelo homicídio, o pai de Isabella, Alexandre Nardoni e a madrasta, Ana Carolina Jatobá, passaram a ser protagonistas dessa espécie de "reality show" do crime. A comoção popular tomou proporções vultosas, transformando meros espectadores em delegados de polícia ou juizes. A população brasileira busca entender o crime, compreender o incompreensível e isso nos faz permanecer dentro de uma perplexidade pungente. Mesmo que se prove a inocência do casal indiciado, apesar de todas as provas periciais indicarem a materialidade e a autoria do crime, os mesmos já estão numa espécie de "paredão". Sim, estão totalmente execrados pela opinião popular, devido aos fortes indícios de que cometeram o crime por motivo fútil, torpe e com impossibilidade de defesa da vítima.
É impressionante como o assassinato de Isabella mexeu com a emoção de nós, brasileiros, a ponto de algumas pessoas armarem suas tendas nos portões do edifício da família, em Guarulhos, externando repúdio ou até mesmo solidariedade com o luto da família. Com exceção do ciclo de convivência da menor, dezenas de brasileiros que não a conheciam choraram em frente às câmeras de televisão, demonstrando tristeza, revolta e ao mesmo tempo compaixão pelo sofrimento da mãe de Isabella.
Nos últimos dias, a televisão tem mostrado cenas da vida real, que muito se parece com a ficção dos filmes de enredo policial, onde numa superprodução os holofotes iluminam os principais personagens da trama; de um lado, supostos autores da tragédia e de outro, a mãe da menor, enlutada, orando e recebendo o carinho do público. Parecíamos estar diante de uma montagem cinematográfica, presenciando um inquérito policial totalmente devassado pela mídia e, ainda, ansiosos por uma eventual confissão do casal ou uma explicação plausível para o crime.
A Rede Globo, nas últimas semanas, com toda a certeza criou uma espécie de "Big Brother Brasil Especial" da família Nardoni, culminando na entrevista do casal, Alexandre e Ana Carolina Jatobá, numa espécie de confessionário. Aliás, o que se mais buscou nestes últimos dias foi a confissão dos supostos assassinos, diante de provas tão cabais, produzidas pela perícia, porém totalmente frágeis aos olhos da defesa. E isso porque, lamentavelmente, houve falha nas investigações, tendo em vista que o apartamento somente foi lacrado quatro dias depois do crime, ficando o local totalmente exposto à possíveis adulterações de provas.
A população clama por justiça, pede explicações para o assassinato da menor Isabella Nardoni, uma menina que encantou e ao mesmo tempo entristeceu o Brasil com as suas imagens mostradas pela mídia. Infelizmente, vai demorar de três a quatro anos para que o casal Nardoni sente no banco dos réus e seja verdadeiramente julgado e sentenciado por um júri popular, que possivelmente poderá absolvê-los, uma vez que está mais do que provado que, com o objetivo de fugir de um possível erro, a preferência de qualquer tribunal do júri é absolver culpados do que, por engano, condenar inocentes. Afinal de contas, os juizes serão sete cidadãos da comunidade paulista, de boa índole e, acima de tudo, humanos.
Aguardaremos, portanto, as cenas dos próximos capítulos ou episódios desta trama real, certos de que não há confissão, não há testemunhas oculares do crime e, muito menos, uma terceira pessoa envolvida; somente provas técnicas, muito bem elaboradas, com alto padrão tecnológico, porém falhas, no âmbito processual, o que provavelmente será um trunfo para a defesa.
Neste "paredão duplo", temos que contar com o princípio constitucional da presunção de inocência, que traduz que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", ou seja, somente quando a decisão condenatória não cabe mais recurso, é que o cidadão pode ser considerado culpado. Restará, apenas, o mistério que envolve a morte da menor Isabella. Por mais que se condene o ou os culpados pelo homicídio, nunca saberemos o que motivou um ato tão bárbaro. Muitas dúvidas irão permanecer em nossas mentes, ocupando o nosso cotidiano, mas um fato temos que levar em conta: parece que estamos dentro da Era Apocalíptica, vivendo o fim... do amor, do respeito e da vida.


O autor é advogado

domingo, 20 de abril de 2008

Qual o valor da vida humana?




(*) Dr. João Marcos Alencar Barros Costa Monteiro




O Brasil nos últimos dias ficou totalmente estarrecido com o assassinato da menina Isabella Nardoni, de 05 anos de idade, morta no dia 29 de março, após ter sido jogada do sexto andar do prédio, onde residia o pai e a madrasta, na Zona Norte de São Paulo. O assunto tomou conta das ruas do país e a polêmica foi instaurada. Quem matou Isabella? As investigações policiais buscam o culpado pela morte da menina. Será que o pai teria a coragem brutal de matar a própria filha? E a madrasta? Será que histórias de vilões, extraídas de contos de fada, como de Cinderela ou Bela Adormecida, por exemplo, ganharam contexto real em nossos dias? Pai e madrasta seriam cúmplices do crime ou co-autores propriamente ditos? Se o pai foi cúmplice da madrasta, que amor teria pela filha, sangue do seu sangue? Todas essas perguntas pairam na mente dos brasileiros. Mas o mais impressionante e intrigante, que todos desconhecem, é o índice de mortalidade infantil por assassinato no país. A pesquisa aponta para um aumento de 75% na última década. E, infelizmente, são pouquíssimos os casos divulgados pela mídia, talvez uma meia dúzia, capaz de provocar uma comoção nacional. A maioria dos casos ocorre nas periferias do país, em regiões de acentuado preconceito e exclusão social. Casos assim permanecem no anonimato, sem solução para a polícia e para o Poder Judiciário, ficando os culpados impunes, ao contrário do caso de Isabella Nardoni, onde as grandes redes de televisão fazem, inclusive, os papéis de inquisidor e magistrado, instigando a opinião popular.
É triste, mas o que se vê é a banalização da vida, em que crianças são estranguladas, com evidentes sinais de violência e, posteriormente, de uma forma cruel e covarde, seus corpos são jogados no abismo do esquecimento, sem poderem ser enterradas de um maneira digna. Tudo passa desapercebido aos olhos da imprensa e da sociedade. Quantas crianças estão desaparecidas em nosso país?
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, a polícia, em caso de desaparecimento de crianças, deve dar atendimento imediato, sem precisar aguardar as 24 (vinte e quatro) horas, devendo iniciar as buscas com a maior presteza, independente de qual seja o setor policial acionado e a condição social da vítima.
Data vênia, é lamentável que casos, apenas, como da menina Isabella, de família de classe média, detentora de boa condição social, venham à tona, dentre os milhares de casos que ficam totalmente esquecidos. Crianças mortas sem explicação tornam-se, portanto, cinzas, números e índices do censo. Definitivamente, banalizaram a vida!
Não devemos nos tornar advogados do diabo, nem arrumar um culpado para a violência infantil no Brasil, mas está na hora dos governantes promoverem políticas públicas de segurança, voltadas para a questão da infância e da adolescência, aprimorando uma vigilância mais efetiva nos bairros mais pobres da nação, visando ainda, através de instituições, a educação, a saúde e a assistência social. As famílias precisam ser esclarecidas e as instituições voluntárias ou Organizações não Governamentais devem agir, com o intuito de garantir que pessoas que tenham comportamentos patológicos se sintam reprimidas a cometer delitos dessa natureza.
Por fim, estamos falando do bem maior a ser protegido – a vida. De nada adiantaria à Constituição Federal assegurar outros direitos fundamentais como a igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, dentre outros, se não colocasse em destaque a vida humana num desses direitos. Por essa razão também, é que o Código Penal, através de seu artigo 121, pune todas as formas de interrupção violenta do processo vital.
Há um grito ressoando em nosso país, bem silencioso, que vem da dor, impingida no coração das mães que perderam seus filhos, de forma brutal e nem ao menos tiveram a oportunidade de enterrá-los, em forma de homenagem e despedida. Até quando o Brasil vai permanecer em guerra? Sim, em guerra!... Estamos vivendo uma guerra interior, humana, onde se mata e se morre, como numa chacina, bem pior que nos países do Oriente Médio. Que Deus proteja as nossas crianças. Que Isabellas e João Hélios não sejam mais mortas por animais que se dizem racionais.
O autor é advogado