sábado, 12 de outubro de 2013

O DANO MORAL COLETIVO


Primeiramente, tanto a Lei de Ação Civil Pública – Lei 7.347/85, quanto o Código de Defesa do Consumidor – Lei 8078/90 preveem a possibilidade de responsabilização por danos morais coletivos.
Apesar de a lei consumerista ter sido mais expressa do que a Lei de Ação Civil Pública, não se pode concluir que tal legislação não previu o dano moral coletivo, uma vez que deve ser lembrado que referido diploma legal tutela os direitos difusos e coletivos, de modo que, interpretando-se sistematicamente o que está contido no inciso IV e caput do artigo 1º, há conclusão de que o dano moral a que a lei faz referência só pode ser o dano moral coletivo. Vejamos:
“Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações d responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
(...)
IV- a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;
...
Já o Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90) assegurou, expressamente, a indenização por dano moral, assim dispondo:
Artigo 6º. São direitos básicos do consumidor:
(...)
VI- A efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos (...).
Assim, verifica-se que o dispositivo guarda coerência com o preceito constante do artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal de 1988, estabelecido como regra geral e cogente, que assegura a inviolabilidade da honra e imagem das pessoas, em qualquer circunstância, sob pena de indenização por dano material ou moral, e com a regra do inciso XXXII, que impõe ao Estado o dever de promover a defesa do consumidor. Essa garantia encontra-se reiterada no artigo 170, inciso V, da Carta Magna, ao declarar o direito de todos a uma existência digna, conforme os ditames da justiça social e ao assegurar, mais uma vez, o princípio da defesa do consumidor.
Diante disso, desnecessário até seria a disposição da lei infraconstitucional garantindo a indenização por dano moral, já que a própria Constituição Federal o faz expressamente, convertendo tal direito como fundamental. No entanto, o legislador, resolvendo estancar qualquer dúvida e assegurar a efetiva proteção ao consumidor, inseriu tal previsão no texto da Lei Consumerista, de forma expressa, incluindo ainda o previsão de indenização por danos morais coletivos.  
A preocupação e o cuidado do legislador com as relações de consumo foram tantos, que redobrou a proteção de todos que possam ser atingidos pela má conduta do produtor, prestador de serviços ou comerciante. Ora, ao enunciar como direitos básicos do consumidor “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos” o Código de Defesa do Consumidor avançou quase um século no tempo, abandonando o conservadorismo para inaugurar uma nova dimensão, ampla e abrangente. Primeiro, porque concede a prevenção e proteção do consumidor através de mecanismos vários de controle das relações de consumo, da propaganda enganosa e assegurando o equilíbrio nos contratos que se estabelecem entre produtor, vendedor e consumidor. Se essa prevenção mostra-se falha, assegura-se ainda a reparação dos danos, quer materiais, se houver ocorrência de prejuízo, quer morais, se caracterizada a violação da honra e da imagem.  Em segundo, previu a possibilidade de reparação dos danos materiais e morais tanto do indivíduo, como único atingido e isoladamente considerado, como dos danos coletivos, que atinjam um grupo de pessoas.
A lei, sem sombra de dúvida, evoluiu para admitir que entes coletivos possam ser ofendidos moralmente, assegurando-lhes a indenização correspondente e que garantiu a proteção de reparação do dano moral causado a um indeterminado número de pessoas.
Ficou claro, com isso, que no CDC o ressarcimento integral deverá se dar tanto em relação ao dano patrimonial e/ou moral, seja a título individual, seja a título coletivo.
Sobre o dano moral coletivo, nos reportamos à lição de ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS (na obra Ação Civil Pública e o Dano Moral Coletivo, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, RT n. 25, páginas 82 e 83):
As lesões aos interesses difusos e coletivos não somente geram danos materiais, mas também podem gerar danos morais. O ponto-chave para a aceitação do chamado dano moral coletivo está na ampliação de seu conceito, deixando de ser o dano moral um equivalente da dor psíquica, que seria exclusividade de pessoas físicas. (...) Com isso, vê-se que a coletividade é passível de ser indenizada pelo abalo moral, o qual, por sua vez, não necessita ser a dor subjetiva ou estado anímico, que caracterizam o dano moral na pessoa física, podendo ser o desprestígio do serviço público, do nome social, a boa-imagem de nossas leis, ou mesmo o desconforto da moral pública que inexiste no meio social.
Para ilustrar, um bom exemplo de dano moral coletivo nas relações de consumo seria as propagandas enganosas ou abusivas ofendendo valores de uma comunidade.    
Cabe esclarecer, ainda, que o interesse difuso é de um número indeterminado de pessoas. Não se há de falar, por conseguinte, em interesses do consumidor de caráter difuso. Reconhecido o interesse difuso ofendido por ato ilícito do fornecedor, fica o consumidor autorizado individualmente a promover a reparação do dano. Quando, portanto, a ofensa for dirigida ao patrimônio moral da coletividade que figura num dos extremos da relação de consumo, há o direito à ressarcibilidade do dano moral coletivo ou difuso.
Com isso, admitiu o Código de Defesa do Consumidor todas as espécies de ações judiciais, para preservar os direitos e interesses do consumidor, principalmente aquelas medidas estatuídas na Lei n.º 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública).  
A visão de muitos juristas de que seria impossível reconhecer a existência do dano moral no âmbito coletivo está totalmente ultrapassada, porquanto, ao analisarmos o artigo 95 da Lei Consumerista, que prevê a condenação genérica em caso de procedência do pedido nas ações coletivas, percebemos que esta interpretação puramente tradicional vai de encontro ao entendimento de vanguarda da Lei 8078/90, que faz parte do microssistema coletivo. Ou seja, o CDC e a Lei de Ação Civil Pública se complementam, com o objetivo de manter coerência e harmonia na interpretação e aplicação do sistema de tutela dos interesses coletivos.  
Portanto, não há dúvida, por exemplo, de que a corrupção generalizada causa na maioria da população brasileira sentimento de repulsa e humilhação perante outras nações mundiais, o que gera danos morais coletivos a serem reparados.