O Superior Tribunal de
Justiça, em decisão inédita e recente, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi,
no Recurso Especial n.º 1159242-SP, reconhecendo o abandono afetivo de filha,
condenou o pai a pagar R$ 200.000,00, a título de indenização por danos morais.
A tese da filha, levantada inicialmente junto ao Tribunal de Justiça Paulista
foi de que houve a existência de abandono material, moral, psicológico e humano
de que teria sido vítima desde seu nascimento, fatos que por si só sustentariam
a decisão quanto ao reconhecimento do abandono e a fixação de valor a título de
compensação por dano moral.
Antes, porém, de analisar o mérito dessa decisão, deve-se
admitir que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, ao definir
família, rompeu com a visão tradicional do matrimônio, consagrando um sistema
inclusivo e sem preconceitos, na medida em que, além do casamento, admitiu
outras formas de composições familiares, na perspectiva do princípio da
afetividade. Assim, a família da
atualidade não é apenas aquela formada por laços consanguíneos e genéticos, mas
sim aquela reconhecida como socioafetiva, passível de proteção, baseada em laços
de afeto, que une as pessoas. Seguindo essa esteira de entendimento, pode-se
extrair um conceito moderno de família no artigo 5º, inciso II, da Lei
11.340/2006 – Lei Maria da Penha -, que diz que ser aquela compreendida como a “comunidade formada por indivíduos que são
ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por
vontade expressa”. Diz, ainda, o parágrafo único deste dispositivo legal
que as relações pessoais que definem família independem de orientação sexual.
Sendo assim, a família, apesar de ser hoje fincada em
relações afetivas, desvinculando-se da exclusividade dos laços biológicos e
consanguíneos, onde envolve questões extremamente subjetivas, como o amor,
mágoa, relações de carinho, afeto, dentre outros, os quais dificultam
sobremaneira definir ou identificar os elementos configuradores do dano moral,
teve, através do STJ, inovou, juridicamente, ao valorizar a importância das
relações entre pais e filhos e o que a ausência desse elo pode acarretar na
vida de um ser humano em formação. Eis o dano moral reconhecido!
A decisão do Tribunal da Cidadania entendeu que a par
dessas questões subjetivas, totalmente intangíveis, existem ainda nas relações
entre pais e filhos vínculos objetivos, alicerçados tanto no aspecto biológico
ou mesmo autoimposto - como é o caso de adoção-, para os quais há previsão
constitucional e legal das obrigações mínimas. Para a Ministra, ao liame –
biológico ou não, que define a paternidade – decorre sempre ato de vontade do
agente, acarretando a quem contribuiu com o nascimento ou adoção a
responsabilidade por suas ações e escolhas.
Com efeito, para o Poder Judiciário houve o entendimento
de que a responsabilidade dos pais está no dever de convívio, de cuidado, de
criação e educação dos filhos. Nesse julgado não se discutiu o amor, mas sim, a
imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico decorrente da
liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos, pois o amor refoge aos
limites legais, situando-se no mundo das subjetividades, onde só a psicologia,
a filosofia e a religião podem assuntar, até porque, por total impossibilidade,
a lei não pode obrigar um pai amar seu filho.
Concluindo, a decisão sustentou muito bem que a falta de
cuidado do pai em relação à filha, ou seja, do descumprimento de um dever legal
traduz o ilícito civil, sob forma de omissão, que atingiu em cheio o bem
juridicamente tutelado – o necessário dever de criação, educação e companhia -,
o que deixou a filha em situação vulnerável, comprometendo a sua formação
pessoal e psicológica.
Por óbvio, não se pode exigir amor de um pai, mas cuidado
e proteção são deveres impostos pela lei e tais deveres sendo omissos, devem,
através de decisões judiciais de vanguarda, implicar em indenizações por danos
morais, dependendo de cada caso concreto, apresentado nos tribunais. E isso, a
contrário sensu, faz com que se afirme: quem não ama, ainda assim tem o dever
de cuidar, mesmo que se desmitifique aquela canção entoada pelo poeta: “Quando a gente gosta, é claro que a gente
cuida...”.
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