quinta-feira, 24 de maio de 2012

Sobre o sistema de Cotas nas Universidades - A ALFORRIA DA IGUALDADE


           O artigo 5º, caput, da Constituição Federal traz o princípio da isonomia, segundo o qual ao Estado não seria dado fazer qualquer distinção entre aqueles que se encontrariam sob o seu abrigo. Verifica-se, pelo texto da lei, que o constituinte não se restringira apenas a proclamar solenemente a igualdade de todos perante a lei, mas teria buscado emprestar, em 1988, a máxima concreção a esse postulado fundamental e isso para assegurar a igualdade material a todos os brasileiros e estrangeiros, considerando as diferenças existentes por motivos naturais, culturais, econômicos, sociais, dentre outras. Ora, todos devem ser tratados de forma igualitária, respeitando-se as diferenças. Materialmente, o princípio da isonomia implica, segundo a Justiça de Aristóteles, em “tratar os iguais de forma igual, os desiguais de forma desigual, na medida de suas desigualdades”.  É nesse aspecto que o Estado deve lançar mão de políticas públicas ou de ações afirmativas para atingir grupos sociais determinados e excluídos para que tenham certas vantagens compensatórias, fazendo com que a igualdade saia do formalismo, da letra fria da lei, e passe a se materializar no contexto social. O objetivo seria a inclusão social desses que, ao longo da história, foram compelidos a viver distantes da sociedade, garantindo-lhes, com isso, condições de igualdade e liberdades fundamentais.
            Foi nesse contexto que o Supremo Tribunal Federal, julgando a ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) n.º 186, decidiu pelo reconhecimento da reserva de vagas em universidades para negros e índios, visando o critério étnico-racial.  Na ocasião, pontificou-se sobre diversas modalidades de ações afirmativas empregadas em outros países, que poderiam muito bem ser aplicadas no Brasil: a consideração do critério de raça, gênero ou outro aspecto a caracterizar certo grupo minoritário para promover sua integração social; o afastamento de requisitos de antiguidade para a permanência ou promoção de membros de categorias socialmente dominantes em determinados ambientes profissionais; definição de distritos eleitorais para o fortalecimento de minorias e o estabelecimento de cotas ou a reserva de vagas para integrantes de setores marginalizados. Na decisão, ainda se ponderou que o crime de racismo está previsto na própria Constituição Federal e é inafiançável, com o fim de impedir a discriminação negativa de determinados grupos e, se assim está, seria possível empregar a mesma lógica para autorizar a utilização estatal da discriminação positiva, com vistas a incentivar a inclusão social dos grupos excluídos. O ponto de maior firmamento da decisão foi considerar que para as sociedades contemporâneas que passaram pela experiência da escravidão, repressão e preconceito, a qual ensejou a percepção depreciativa de raça com relação aos grupos tradicionalmente subjugados, a garantia jurídica de igualdade formal sublimaria as diferenças entre as pessoas, de modo a perpetrar as desigualdades de fatos existentes. Ressaltou-se que o número reduzido de negros e pardos detentores de cargos ou funções de relevo na sociedade é resultado ainda da discriminação histórica que as sucessivas gerações dos pertencentes a esses grupos teriam sofrido, mesmo que de forma implícita. Sendo assim, os programas de ações afirmativas seriam, então, a forma de compensar essa discriminação culturalmente arraigada.
            Para a Suprema Corte, a universidade terá um papel integrador, na medida em que se atingirá não apenas o estudante que ingressar no sistema por intermédio de reserva de vagas, mas também todo o meio acadêmico, dada a oportunidade de conviver com o diferente, desmistificando os preconceitos sociais, com o intuito de construir a consciência coletiva plural e culturalmente heterogênea. Colocou-se, portanto, uma pá de cal na questão, ressaltando que o princípio da igualdade teria sido criado especialmente para os desfavorecidos e que a Carta Magna proibira qualquer tipo de preconceito.
            Concluindo, as ações afirmativas, avalizadas pelo Poder Judiciário, a exemplo da reserva de vagas nas universidades, são formas de instrumentalizar a proibição ao preconceito, com o fito de exigir do Estado o dispêndio de recursos para encurtar distâncias sociais e promover os desfavorecidos. Atitudes como essa merecem o aplauso do povo, e isso pelo fato de entendermos o pluralismo político, não só apenas como aquele que restringe a diversidade de concepções políticas ou de partidos políticos, mas como aquele que abrange também o respeito à diversidade artística, cultural, religiosa e de opções de vida. A Constituição Federal, ao constituir o pluralismo como fundamento, impõe o direito à diferença, querendo dizer que ter isonomia é respeitar as diferenças. E, nesse sentido, cabe concluir tais ponderações citando as palavras do sociólogo Boaventura de Souza Santos, quando diz: “Temos o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza”.   

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