O artigo 5º, caput, da
Constituição Federal traz o princípio da isonomia, segundo o qual ao Estado não
seria dado fazer qualquer distinção entre aqueles que se encontrariam sob o seu
abrigo. Verifica-se, pelo texto da lei, que o constituinte não se restringira
apenas a proclamar solenemente a igualdade de todos perante a lei, mas teria
buscado emprestar, em 1988, a máxima concreção a esse postulado fundamental e
isso para assegurar a igualdade material a todos os brasileiros e estrangeiros,
considerando as diferenças existentes por motivos naturais, culturais, econômicos,
sociais, dentre outras. Ora, todos devem ser tratados de forma igualitária,
respeitando-se as diferenças. Materialmente, o princípio da isonomia implica,
segundo a Justiça de Aristóteles, em “tratar
os iguais de forma igual, os desiguais de forma desigual, na medida de suas
desigualdades”. É nesse aspecto que
o Estado deve lançar mão de políticas públicas ou de ações afirmativas para
atingir grupos sociais determinados e excluídos para que tenham certas
vantagens compensatórias, fazendo com que a igualdade saia do formalismo, da
letra fria da lei, e passe a se materializar no contexto social. O objetivo
seria a inclusão social desses que, ao longo da história, foram compelidos a
viver distantes da sociedade, garantindo-lhes, com isso, condições de igualdade
e liberdades fundamentais.
Foi nesse contexto que o Supremo Tribunal Federal,
julgando a ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) n.º 186, decidiu
pelo reconhecimento da reserva de vagas em universidades para negros e índios,
visando o critério étnico-racial. Na
ocasião, pontificou-se sobre diversas modalidades de ações afirmativas
empregadas em outros países, que poderiam muito bem ser aplicadas no Brasil: a
consideração do critério de raça, gênero ou outro aspecto a caracterizar certo
grupo minoritário para promover sua integração social; o afastamento de
requisitos de antiguidade para a permanência ou promoção de membros de
categorias socialmente dominantes em determinados ambientes profissionais; definição
de distritos eleitorais para o fortalecimento de minorias e o estabelecimento
de cotas ou a reserva de vagas para integrantes de setores marginalizados. Na
decisão, ainda se ponderou que o crime de racismo está previsto na própria
Constituição Federal e é inafiançável, com o fim de impedir a discriminação
negativa de determinados grupos e, se assim está, seria possível empregar a
mesma lógica para autorizar a utilização estatal da discriminação positiva, com
vistas a incentivar a inclusão social dos grupos excluídos. O ponto de maior
firmamento da decisão foi considerar que para as sociedades contemporâneas que
passaram pela experiência da escravidão, repressão e preconceito, a qual
ensejou a percepção depreciativa de raça com relação aos grupos
tradicionalmente subjugados, a garantia jurídica de igualdade formal sublimaria
as diferenças entre as pessoas, de modo a perpetrar as desigualdades de fatos
existentes. Ressaltou-se que o número reduzido de negros e pardos detentores de
cargos ou funções de relevo na sociedade é resultado ainda da discriminação
histórica que as sucessivas gerações dos pertencentes a esses grupos teriam
sofrido, mesmo que de forma implícita. Sendo assim, os programas de ações
afirmativas seriam, então, a forma de compensar essa discriminação
culturalmente arraigada.
Para a Suprema Corte, a universidade terá um papel integrador,
na medida em que se atingirá não apenas o estudante que ingressar no sistema
por intermédio de reserva de vagas, mas também todo o meio acadêmico, dada a
oportunidade de conviver com o diferente, desmistificando os preconceitos
sociais, com o intuito de construir a consciência coletiva plural e
culturalmente heterogênea. Colocou-se, portanto, uma pá de cal na questão,
ressaltando que o princípio da igualdade teria sido criado especialmente para
os desfavorecidos e que a Carta Magna proibira qualquer tipo de preconceito.
Concluindo, as ações afirmativas, avalizadas pelo Poder
Judiciário, a exemplo da reserva de vagas nas universidades, são formas de
instrumentalizar a proibição ao preconceito, com o fito de exigir do Estado o
dispêndio de recursos para encurtar distâncias sociais e promover os
desfavorecidos. Atitudes como essa merecem o aplauso do povo, e isso pelo fato
de entendermos o pluralismo político, não só apenas como aquele que restringe a
diversidade de concepções políticas ou de partidos políticos, mas como aquele
que abrange também o respeito à diversidade artística, cultural, religiosa e de
opções de vida. A Constituição Federal, ao constituir o pluralismo como
fundamento, impõe o direito à diferença, querendo dizer que ter isonomia é
respeitar as diferenças. E, nesse sentido, cabe concluir tais ponderações
citando as palavras do sociólogo Boaventura de Souza Santos, quando diz: “Temos o direito de ser iguais quando a
diferença nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes quando a igualdade
nos descaracteriza”.
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