Primeiramente, tanto a Lei de Ação
Civil Pública – Lei 7.347/85, quanto o Código de Defesa do Consumidor – Lei
8078/90 preveem a possibilidade de responsabilização por danos morais
coletivos.
Apesar de a lei consumerista ter sido
mais expressa do que a Lei de Ação Civil Pública, não se pode concluir que tal
legislação não previu o dano moral coletivo, uma vez que deve ser lembrado que
referido diploma legal tutela os direitos difusos e coletivos, de modo que,
interpretando-se sistematicamente o que está contido no inciso IV e caput do
artigo 1º, há conclusão de que o dano moral a que a lei faz referência só pode
ser o dano moral coletivo. Vejamos:
“Regem-se pelas disposições
desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações d responsabilidade por danos
morais e patrimoniais causados:
(...)
IV- a qualquer outro
interesse difuso ou coletivo;
...
Já o Código
de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90) assegurou, expressamente, a
indenização por dano moral, assim dispondo:
Artigo
6º. São direitos básicos do consumidor:
(...)
VI-
A efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais,
coletivos e difusos (...).
Assim, verifica-se que o dispositivo guarda coerência com o preceito
constante do artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal de 1988, estabelecido como regra
geral e cogente, que assegura a inviolabilidade da honra e imagem das pessoas,
em qualquer circunstância, sob pena de indenização por dano material ou moral,
e com a regra do inciso XXXII, que impõe ao Estado o dever de promover a defesa
do consumidor. Essa garantia encontra-se reiterada no artigo 170, inciso V, da
Carta Magna, ao declarar o direito de todos a uma existência digna, conforme os
ditames da justiça social e ao assegurar, mais uma vez, o princípio da defesa
do consumidor.
Diante disso, desnecessário até seria a disposição da lei
infraconstitucional garantindo a indenização por dano moral, já que a própria
Constituição Federal o faz expressamente, convertendo tal direito como
fundamental. No entanto, o legislador, resolvendo estancar qualquer dúvida e
assegurar a efetiva proteção ao consumidor, inseriu tal previsão no texto da
Lei Consumerista, de
forma expressa, incluindo ainda o previsão de indenização por danos morais
coletivos.
A preocupação e o cuidado do legislador com as relações de consumo
foram tantos, que redobrou a proteção de todos que possam ser atingidos pela má
conduta do produtor, prestador de serviços ou comerciante. Ora, ao enunciar como direitos básicos do consumidor “a efetiva prevenção e reparação de danos
patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos” o Código de Defesa
do Consumidor avançou quase um século no tempo, abandonando o conservadorismo
para inaugurar uma nova dimensão, ampla e abrangente. Primeiro, porque concede
a prevenção e proteção do consumidor através de mecanismos vários de controle
das relações de consumo, da propaganda enganosa e assegurando o equilíbrio nos
contratos que se estabelecem entre produtor, vendedor e consumidor. Se essa
prevenção mostra-se falha, assegura-se ainda a reparação dos danos, quer
materiais, se houver ocorrência de prejuízo, quer morais, se caracterizada a
violação da honra e da imagem. Em
segundo, previu a possibilidade de reparação dos danos materiais e morais tanto
do indivíduo, como único atingido e isoladamente considerado, como dos danos coletivos, que atinjam
um grupo de pessoas.
A lei, sem sombra de dúvida, evoluiu para admitir que entes coletivos
possam ser ofendidos moralmente, assegurando-lhes a indenização correspondente
e que garantiu a proteção de reparação do dano moral causado a um indeterminado
número de pessoas.
Ficou claro, com isso, que no CDC o ressarcimento integral deverá se
dar tanto em relação ao dano patrimonial e/ou moral, seja a título individual,
seja a título coletivo.
Sobre o dano moral coletivo, nos reportamos à lição de ANDRÉ DE
CARVALHO RAMOS (na obra
Ação Civil Pública e o Dano Moral Coletivo, Editora Revista dos Tribunais, São
Paulo, RT n. 25, páginas 82 e 83):
As lesões aos interesses difusos e coletivos
não somente geram danos materiais, mas também podem gerar danos morais. O
ponto-chave para a aceitação do chamado dano moral coletivo está na ampliação
de seu conceito, deixando de ser o dano moral um equivalente da dor psíquica,
que seria exclusividade de pessoas físicas. (...) Com isso, vê-se que a
coletividade é passível de ser indenizada pelo abalo moral, o qual, por sua
vez, não necessita ser a dor subjetiva ou estado anímico, que caracterizam o
dano moral na pessoa física, podendo ser o desprestígio do serviço público, do
nome social, a boa-imagem de nossas leis, ou mesmo o desconforto da moral
pública que inexiste no meio social.
Para
ilustrar, um bom exemplo de dano moral coletivo nas relações de consumo seria
as propagandas enganosas ou abusivas ofendendo valores de uma comunidade.
Cabe esclarecer,
ainda, que o interesse difuso é de um número indeterminado de pessoas. Não se
há de falar, por conseguinte, em interesses do consumidor de caráter difuso.
Reconhecido o interesse difuso ofendido por ato ilícito do fornecedor, fica o
consumidor autorizado individualmente a promover a reparação do dano. Quando,
portanto, a ofensa for dirigida ao patrimônio moral da coletividade que figura
num dos extremos da relação de consumo, há o direito à ressarcibilidade do dano
moral coletivo ou difuso.
Com
isso, admitiu o Código de Defesa do Consumidor todas as espécies de ações
judiciais, para preservar os direitos e interesses do consumidor,
principalmente aquelas medidas estatuídas na Lei n.º 7.347/85 (Lei de Ação
Civil Pública).
A visão de muitos juristas de que
seria impossível reconhecer a existência do dano moral no âmbito coletivo está
totalmente ultrapassada, porquanto, ao analisarmos o artigo 95 da Lei
Consumerista, que prevê a condenação genérica em caso de procedência do pedido nas
ações coletivas, percebemos que esta interpretação puramente tradicional vai de
encontro ao entendimento de vanguarda da Lei 8078/90, que faz parte do
microssistema coletivo. Ou seja, o CDC e a Lei de Ação Civil Pública se
complementam, com o objetivo de manter coerência e harmonia na interpretação e
aplicação do sistema de tutela dos interesses coletivos.
Portanto, não há dúvida, por exemplo,
de que a corrupção generalizada causa na maioria da população brasileira
sentimento de repulsa e humilhação perante outras nações mundiais, o que gera
danos morais coletivos a serem reparados.